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Esperança Com Autoridade Divina... E Sem Ela

Entende-se por conversão uma alma que se volta para Deus, sendo levada a isso pela obra do Espírito. Associado a tudo isso há um senso da bondade de Deus que atrai; e um senso de nossa pecaminosidade que convence. As palavras do filho pródigo, "Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai", mostravam a atração; "Pai, pequei", revelavam a convicção (Lc 15:18).


Nós, por natureza, fugimos de Deus, como fez o filho pródigo afastando-se de seu pai, ou como os tessalonicenses quando, antes de sua conversão,  seguiam os ídolos de sua própria escolha. Portanto, o voltar-se para Deus implica uma grande mudança (1 Ts 1:10). Somente o Espírito pode produzir uma mudança assim. Nas Escrituras esta é resultado do novo nascimento, e coincide com o mesmo; e é o que encontramos no princípio da história de cada cristão. Segue-se, então, uma gama variada de exercícios de alma, e dentre esses talvez não exista nada que ocupe um lugar de maior preeminência do que a esperança. É, por conseguinte, da maior importância recordarmos que existem duas espécies de esperança: uma que tem o aval das Sagradas Escrituras, e outra que não tem. Vamos, primeiramente, e de modo breve, considerar a primeira.
ESPERANÇA COM AUTORIDADE DIVINA
O verdadeiro fundamento da esperança para o homem consiste naquilo que o próprio Deus significa para ele. "Dele vem a minha esperança." "Espera em Deus." (Sl 62:5; 42:5). A autoridade para esperarmos é encontrada na revelação da Sua vontade expressa nas Escrituras. "Porventura diria Ele, e não o faria? ou falaria, e não o confirmaria?" (Nm 23:19). Isto significa dizer que a esperança genuína e a revelação divina são duas coisas inseparáveis.
Houve um tempo quando nossa "esperança" era aterradora. "A esperança dos ímpios é a ira" (Pv 11:23). Mas Deus Se interpôs em misericórdia e enviou Seu Filho para receber o castigo que nós merecíamos, de modo que novas esperanças, como só Ele é capaz de conceber, pudessem nos ser ofertadas; sim, "grandíssimas e preciosas promessas" (2 Pd 1:4). Mas é em Cristo que realmente aprendemos o verdadeiro caráter dessas promessas, e não no ego, por mais religioso que este seja. Cristo é o tema principal do Espírito. Sua adorável Pessoa, Sua morte preciosa, Sua triunfante ressurreição e ascensão, Sua intercessão em graça, Seu relacionamento com Sua querida assembléia, Seu reino glorioso, Seu amor infinito e inesgotável, tudo isso o Espírito coloca diante da alma. E o nome do Pai é então associado, de forma bendita, a tudo aquilo que Ele é, e a tudo o que Ele faz. Sua vinda ocorreu em perfeita concordância com a determinação do Pai; Seus formosos atributos tornaram o Pai conhecido; Sua morte preciosa foi a santa vontade do Pai; Sua vitoriosa ressurreição foi "pela glória do Pai" (Rm 6:4); Sua intercessão hoje no céu é efetuada na presença do Pai. E Seu amado povo, comprado por sangue, é a dádiva que o Pai Lhe deu; Sua vinda será para levá-los para a casa do Pai; e Sua aparição pública os revelará com Ele na glória do reino do Pai. Tudo, tudo proclama, do modo mais eloquente, aquilo que podemos esperar de um Deus assim tão bendito, e que podemos esperar com completa e divina certeza: "Aquele que nem mesmo a Seu próprio Filho poupou, antes O entregou por todos nós, como nos não dará também com Ele todas as coisas?" (Rm 8:32).
Em cada detalhe de Sua obra, em toda a magnificência das glórias que conquistou, temos também uma porção, um quinhão dado por Deus. Nele somos amados e aceitos. Nele somos escolhidos e abençoados. À Sua imagem seremos todos conformados. Com Ele, como "co-herdeiros", seremos para sempre glorificados. Tudo o que foi conseguido pela morte de Cristo foi assegurado no Cristo ressuscitado, e será desfrutado com o Cristo glorificado. Tudo foi planejado pelo Pai para a glória do Filho e só para o Seu eterno prazer; e nossa genuína esperança nada mais é do que a consequência disso! Quão maravilhoso é!
Mas não é o meu propósito deter-me especificamente nestas coisas agora, por mais benditas e incomparáveis que possam ser. Meu propósito é tentar fazer com que o recém convertido possa se precaver contra as falsas esperanças, pois elas só trazem desencorajamento e desapontamento.
ESPERANÇA SEM AUTORIDADE DIVINA
Para que haja uma melhor compreensão do tema, o autor se propõe, com a ajuda do Senhor, a considerar o assunto sob diversos títulos.
1. NÃO TEMOS NENHUMA AUTORIDADE DIVINA...
...para esperar que aquilo que Deus sente a nosso respeito tenha algo a ver com aquilo que nós sentimos a respeito de nós mesmos.
Uma esperança assim tem sua origem na idéia de que os sentimentos de Deus para conosco estejam em conformidade com os nossos sentimentos em relação a Ele; ou seja, achamos que quando nos sentimos dignos do Seu amor, podemos confiar que Ele nos ama; e quando se dá o contrário com nossos sentimentos, achamos que o mesmo sucede com Ele. Mas a verdade é diametralmente oposta. Pois "Deus prova o Seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm 5:8). Deus usa o próprio castigo contra o pecado para provar o Seu amor pelo pecador.
Fazendo uso das palavras de outro, "O sangue foi a prova e o testemunho, tanto do amor de Deus pelo pecador, como o foi também da justiça e majestade de Deus contra o pecado". À luz da cruz, e só ali, é que podemos formar um juízo verdadeiro da disposição de Deus a nosso respeito.
Sobre a cruz, de morte e dor,
Isto é o que ficou gravado:
"Seja salvo o pecador,
E o pecado ali julgado."
2. NÃO TEMOS NENHUMA AUTORIDADE DIVINA...
...para nos apoiarmos em sentimentos de satisfação própria como sendo a base de nossa segurança.
Mas pode haver alguns que perguntem: Então temos que desprezar totalmente os nossos sentimentos quando se trata de assuntos espirituais? De maneira nenhuma. O homem não é uma mera máquina. Os sentimentos de alegria e tristeza, de apreço e desgosto, de atração e repulsa, juntamente com muitos outros, têm seu lugar necessário. Mas não é dos sentimentos que devemos depender.
Tome este exemplo. Um capitão de navio tem os seus momentos de ansiedade, e também seus momentos de certeza, quanto ao curso de seu navio; mas ele jamais sonharia em se apoiar nesses sentimentos de certeza, ou em anotá-los em seu diário de bordo como sendo fatos comprovados. Pela carta de navegação, pela velocidade, e pelo rumo adotado, é que ele calcula onde deveria estar; pela posição do Sol no céu ele verifica onde realmente está. E estas considerações podem tanto confirmar os seus sentimentos, como alterá-los.
De modo semelhante, temos uma Pessoa no céu, que é indispensável, Jesus, o Filho de Deus, Jesus o crucificado, Jesus o ressuscitado, o glorificado; e temos nossa indispensável carta de navegação aqui na Terra, as Sagradas Escrituras. E além disso, temos o Espírito Santo, que nos dá o sentimento de conforto sempre que confiamos em Cristo e nas Escrituras, e nos repreende quando não o fazemos. Ele veio de um Cristo glorificado, e que maior testemunho poderíamos ter de que nossos pecados foram tirados da vista de Deus do que o fato de que Aquele que os levou, e que foi abandonado na cruz por causa deles, está agora na presença de Deus, sem ter nossos pecados Consigo?
3. NÃO TEMOS NENHUMA AUTORIDADE DIVINA...
...para esperar que o novo nascimento altere o que somos por natureza, de modo que faça cessar o mal em nós e só permaneça o que é bom.
Um dos primeiros choques de desapontamento após a conversão é descobrir que o pecado continua dentro de nós. A volta a algum velho hábito, a descoberta de maus pensamentos e sentimentos ruins, tudo é evidência disso.
Por causa de um ensino errôneo no início, muitos de nós ignorantemente imaginamos que o novo nascimento significaria a transformação daquilo que era velho e mau, em algo novo e bom. Ou, falando de modo figurado, pensamos que o lobo se transformaria em ovelha. Por isso, quando descobrimos, pela prática, que não foi isso o que aconteceu; quando vimos que aquilo que é mau continuava ali, a única conclusão a que pudemos chegar foi que, afinal de contas, não tínhamos sido convertidos adequadamente, e que tudo o que nos restava fazer era começar de novo, e dessa vez do jeito certo. Mas junto com cada boa intenção nós só encontramos mais desapontamento. É verdade que o pensamento de um novo começo já era algo gratificante; mas o resultado era tão doloroso para o coração que por fim acabávamos querendo desistir de tudo, cheios de dúvidas e desilusões! Como muitos já puderam, com tristeza, experimentar, crises como estas são excelentes oportunidades para Satanás. Ele se esconde e trabalha por trás da ignorância religiosa, mas quando exposto à luz do pensamento revelado de Deus, Satanás fica vulnerável e é vencido.
E colocada sob esta luz, a idéia a que nos referimos acima revela-se totalmente falsa. Aquilo que é velho não é mudado. Introduz-se algo completamente novo, que não tem nenhuma afinidade com o que é velho. O que acontece é um outro nascimento - um outro tipo de nascimento - não como pensava Nicodemos, isto é, um nascimento de ordem natural, mas um nascimento espiritual. O próprio Jesus deixou isto bem claro quando disse: "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo" (Jo 3:6-7). "O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita" (Jo 6:63).
À luz destas palavras, torna-se claro que existem dois princípios diferentes; duas fontes distintas geradoras de ação em cada homem convertido. Uma é produto da "semente corruptível", e conserva as características corruptas da semente que a gerou, dando fruto "segundo a sua espécie" (Gn 1:11-12). A outra não é nascida da carne, e nem do varão, mas "de Deus" (Jo 1:13); "Não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela Palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre" (1 Pd 1:23). Trata-se de algo totalmente "de Deus" em sua origem, e para Deus em seus resultados.
4. NÃO TEMOS NENHUMA AUTORIDADE DIVINA...
...para considerar a carne capaz de qualquer melhoria aceitável a Deus
A figueira que Jesus amaldiçoou é uma figura marcante do homem em seu estado natural. Ela foi considerada totalmente sem esperança. Os termos da sentença pronunciada acabavam definitivamente com qualquer esperança futura. "Nunca mais nasça fruto de ti" (Mt 21:19). Ela foi amaldiçoada como algo que aparentava dar fruto. Adubar o solo, cavar ao redor para ventilar suas raízes, ou podar os ramos para que ela recebesse mais sol não teria trazido nenhum proveito. Ela não se permitiria tais cuidados; ela não os aceitaria. Assim é com a carne. Por um lado ela não pode produzir bem algum espiritual; por outro, ela não pode aceitá-los. "O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus" (1 Co 2:14 - Almeida Revista e Atualizada). "Os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rm 8:8); de modo que, no ensino cristão, fica completamente descartada qualquer idéia de aprimoramento da carne. Ela foi declarada corrupta e incapaz de qualquer melhoria.
Uma boa galinha, que passe vinte e um dias chocando diligentemente um ovo podre não irá melhorá-lo, mesmo que este esteja cercado de ovos bons e no mesmo ninho. E uma vida de diligência religiosa, com o que há de melhor ao redor, não irá melhorar a carne. Até o apóstolo Paulo, quando escreveu a epístola aos Romanos, teria tido mais de vinte e um anos de desapontamento se tivesse esperado que sua conversão viesse a melhorar a carne. Atente para suas palavras: "Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum" (Rm 7:18).
As Escrituras apresentam, do modo mais inequívoco, o caráter desesperadamente pecaminoso da carne. Ela encontra-se em oposição a Deus - em inimizade até (Rm 8:7); ela resiste ao Espírito de Deus. A carne milita contra o Espírito; "pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser" (Rm 8:7).
Olhando para trás, para nosso tempo de inconversos, não é difícil enxergarmos que "cada um se desviava pelo seu caminho" (Is 53:6). Vivíamos para satisfazer a nós mesmos. Se nosso caminho estivesse em conformidade com a vontade de Deus, muito bem; mas se não, nosso coração desafiador arrogantemente dizia: Tem que ser como eu quero!
É o ímpio princípio da vontade-própria que caracteriza cada ser humano até sua conversão; e a vontade da carne, em seu caráter, não muda após a conversão. A verdade é que ela pode ser refreada pelo Espírito, pois lemos, "Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne" (Gl 5:16). Porém a carne, em si mesma, é absolutamente irreconciliável (Rm 8:7-12; Gl 5:17).
Havia, próximo ao palácio do Imperador em Berlim, um monumento de pedra maciça. Sobre ele estava a figura de um homem representando a nação Alemã, e, ao seu lado, uma inscrição bastante significativa para exemplificar o que estamos dizendo: "Desde a minha juventude sempre fui abatido, mas nunca conquistado".
Qualquer que seja o grau em que aquela sentença revele o caráter determinado da nação Alemã, ela serve bem para descrever o caráter incurável da carne. Você pode abatê-la; melhorá-la, jamais. Coloque uma focinheira em um cachorro bravio hoje, e ele não será capaz de mordê-lo; mas tire a focinheira amanhã e provoque-o, e você irá provar, para sua infelicidade, que conter uma besta selvagem não muda sua natureza. Lavar uma porca não irá tirar dela seu gosto pela lama, do mesmo modo como polir uma moeda falsa não a tornará genuína.
Mas talvez alguém pergunte: Se o novo nascimento não remove uma natureza pecaminosa; se nem mesmo a presença do próprio Espírito Santo pode melhorá-la; se Deus deve julgar aquilo que é pecaminoso por ser pecaminoso, como é que nós, com a carne ainda em nós, podemos sair livres desse juízo?
O princípio do Evangelho de João derrama luz celestial sobre este assunto. Repare nestas três coisas:
1. Com o conhecimento que tinha do homem em seu estado natural, "o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia" (Jo 2:24).
2. Para atender às exigências de Deus, era necessário que houvesse um novo ser espiritual no homem. "Necessário vos é nascer de novo" - "nascido do Espírito" (Jo 3:7-8). Mas a presença do novo não é suficiente. Deve haver o julgamento do velho. "Importa que o Filho do homem seja levantado" (Jo 3:14).
3. Se por um lado Jesus conhecia o que havia no homem, Ele sabia também o que havia em Deus; e desceu do céu para tornar isso conhecido. Se o homem não era digno de confiança, Deus era. A presença do Filho neste mundo era o testemunho da interferência de Deus, em graça e amor, em favor do homem. "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3:16).
Portanto, faremos bem se olharmos mais de perto para a ilustração que o Senhor usa aqui (Jo 3:14 e Nm 21:8). Se um israelita que estivesse morrendo olhasse para onde Deus lhe havia ordenado, veria, na "serpente de bronze" levantada, a "semelhança" daquilo que estava causando a sua própria morte. Em nosso caso a origem do mal é o "pecado na carne". Portanto, é certo que o pecado na carne deva ser julgado, caso contrário atrairá uma condenação total e eterna. Mas (oh, quão benvinda é esta revelação para o crente!) o pecado já foi julgado. "Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne" (Rm 8:3). Daí vem a aplicação que o Senhor faz da figura: "Assim importa que o Filho do homem seja levantado" (Jo 3:14). Se o homem merecia o juízo, o "Filho do homem" viria para recebê-lo; e aí está o segredo: Deus enviou - Deus amou!
Há aqui consolo verdadeiro; um consolo firme e bendito! Aquilo que descubro ser digno de condenação em mim, como pessoa, Deus já condenou em Cristo como sacrifício. Já que na cruz Cristo encontrava-se ali sob o juízo pelo pecado, Cristo ressuscitado de entre os mortos encontra-se agora além do juízo pelo pecado, e é sobre Ele ressuscitado que repousa o olho de fé. "Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8:1). Cristo é nosso, e toda a nossa bênção encontra-se nEle. A Sua plenitude é a nossa perfeição (Cl 2:9-10). Não existe nada melhor que Deus pudesse desejar para nós do que aquilo que Ele encontra em Cristo; e nada mais agradável poderia Ele descobrir em nós do que ver que encontramos tudo o que necessitamos em Cristo. A expressão "nos gloriamos em Cristo Jesus", de Filipenses 3:3, está ligada ao servirmos "a Deus em espírito"; e a expressão "não confiamos na carne" faz parte do conjunto.
5. NÃO TEMOS NENHUMA AUTORIDADE DIVINA...
...para supor que Deus une aquilo que é nascido do Espírito com aquilo que é nascido da carne.
Tal idéia é totalmente incompatível com o próprio Deus. Se Deus considera "o que é nascido da carne" como mal, por causa do pecado que há nela, como poderia Ele unir a isso aquilo que é bom - ou seja, "o que é nascido do Espírito"? A própria santidade de Sua natureza impediria uma tal união. Entre ambos não pode haver nenhuma relação espiritual, qualquer que seja ela. "O que é nascido da carne" não participa do crer em Cristo; e "o que é nascido do Espírito" não tem parte alguma em Sua rejeição (Jo 1:10-13; 2 Co 6:15).
Mas talvez algum crente atribulado venha a dizer: Sinto que essa coisa má faz parte de mim. Sim, mas faz parte apenas daquilo que você é por natureza. O Espírito de Deus produziu algo novo, que não é parte do que você é por natureza. Do mesmo modo como Deus considera os crentes como estando no mundo, mas não sendo do mundo; assim também Deus considera a carne. Ela está em nós, mas não faz parte de nós como crentes.
Permita-me citar, como exemplo, um incidente que aconteceu comigo quando criança. Enquanto brincava com outras crianças na entrada da propriedade de um nobre, tive a ponta de um dedo esmagada pelo portão de ferro quando este fechou. Dispensaram-me ternos cuidados e, com a ajuda dos medicamentos adequados, logo o dedo ferido sarou. Mas quando, no tempo previsto, o curativo foi finalmente removido, senti-me imensamente desapontado, pois a unha ficara bem desfigurada. Em minha ignorância de criança, porém, esperava que ela se tornaria logo branca como as outras. Mas cada dia apenas renovava meu desapontamento, pois ao invés disso ela foi ficando cada vez mais preta.
Por fim, uma mudança completa aconteceu, e aconteceu instantaneamente - não exatamente na unha, mas em meus pensamentos a respeito dela. Descobri em meu dedo, bem entre a pele e a unha preta, a presença de uma nova unha branca! Todo o meu desapontamento decorrente da incapacidade de melhora da velha unha chegou ao fim. Eu podia muito bem desistir da velha unha diante da satisfação de ganhar uma nova; e foi o que aconteceu. Na verdade a unha velha continuava ali, continuava ligada a mim; mas, depois daquilo, já não a considerava como parte de mim. Se você me perguntasse então quantas unhas eu tinha nas mãos, eu não teria respondido onze, pois não reconhecia mais a unha preta como sendo minha. Eu teria ignorado completamente a sua presença, e teria respondido: dez.
A cada semana eu via mais da unha nova, e, com prazer, almejava pelo dia quando a unha velha cairia por completo, e nada mais seria visto então, mas apenas a unha nova. Um cirurgião experiente já teria condenado a unha velha desde o princípio, mas eu não fiz isso enquanto não pude ver a unha nova. E nem teria encontrado muito conforto se tivesse achado que a unha nova estava unida à velha para melhorá-la.
Assim como aconteceu com aquela unha preta, o mesmo acontece com a natureza má que existe em nós. Como já vimos, Deus a condenou na morte de Cristo (Rm 8:3); e tendo nossos olhos em Cristo ressuscitado, podemos também condená-la. Podemos então atender com novos ouvidos aquilo que o Espírito ordenou: "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rm 6:11).
Veja agora um exemplo dado nas Escrituras. Ismael e Isaque estavam juntos na casa de Abraão, embora estivesse bem evidente que não existia nenhum tipo de concordância moral entre eles. Ismael, "gerado segundo a carne", só zombava e perseguia o filho da promessa (Gn 21:9 e Gl 4:29). Mas o que é digno de nota é que, depois de Isaque haver nascido, Ismael não foi mais considerado! Examine o leitor cuidadosamente a importância disto. Ismael não é mais considerado como parte da família do fiel Abraão, como se nunca tivesse existido; e o primeiro a fazer isto é o próprio Deus. "Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas" (Gn 22:2). Mais tarde isso é mostrado com mais força quando lemos que "Abraão... ofereceu o seu unigênito" (Hb 11:17). É certo que Ismael se tornaria, como se tornou, um homem notável no mundo, mas na "família da fé" ele não teve lugar. Foi decretado: "De modo algum o filho da escrava herdará com o filho da livre" (Gl 4:30).
De modo semelhante, quando o apóstolo foi conscientizado da operação do princípio mau que havia dentro dele, disse: "Já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim" (Rm 7:17). Mas em Gálatas 2:20 ele vai ainda mais longe. O "eu" que esteve antes ligado ao pecado que habitava nele é considerado como o "eu" crucificado, e o "eu" que, por meio da obra do Espírito e da necessidade sentida pela alma, encontra-se ligado a Cristo, é tido como o "eu" convertido, o "eu" que vive, o "eu" que tem fé no Filho de Deus (Gl 2:19-21).
Isto não é somente uma questão de doutrina. O "eu" convertido tem uma consciência própria, distinta e inequívoca. Cada pessoa conhece em quê estão postos os seus desejos; e não há um modo de tornar isto mais evidente do que quando o pecado se manifesta em um crente - digamos, como em uma explosão de mau gênio. Semelhante manifestação o deixa dolorosamente consciente de que a velha propensão ao mau gênio continua ali. Mas onde estão os seus desejos? Com o que é bom ou com o que é mau? Aí está a questão vital. Será que ele está triste ou contente, por a carne haver se manifestado? Em sua consciência íntima não há dúvida quanto a isso. Reconhecendo sua responsabilidade, ele sente-se humilhado e num estado de auto-condenação. O Espírito está entristecido? Ele também. Mas não foi sempre assim. Houve uma época em ele teria se inocentado, lançando a culpa naquele que o provocou. Agora ele aponta a lâmina afiada da culpa para si próprio.
A que se deve uma tal mudança? À presença de um novo ser moral - o "homem interior", a única explicação para uma mudança tão radical. O "eu" convertido é agora o homem reconhecido como o que está no controle, e o pecado habitando nele é tido apenas como um réu na casa, condenado ao silêncio. O "eu" convertido é responsável por cuidar para que essa sentença seja estritamente aplicada, e por confessar quando não for assim. O que torna a mudança tão marcante é que, nessa mesma casa (para usar uma linguagem figurada), o réu teve antes o completo governo. Mas não é assim agora; "o pecado não terá domínio sobre vós" (Rm 6:14). Será que foi o réu (o homem natural com sua vontade-própria) que operou essa extraordinária mudança? Impossível. Seus gostos e desejos seguem em direção totalmente oposta. Ele seria tão incapaz de produzir uma mudança assim, quanto o etíope seria incapaz de mudar a cor de sua pele, ou o leopardo as suas manchas. Foi o próprio Deus quem operou tal obra. Mas ao fazer isso, Ele não uniu aquilo que era pecaminoso com aquilo que era santo, e nem estabeleceu qualquer tipo de ligação entre ambos. Aquilo em nós que é "nascido do Espírito" está ligado ao Cristo ressuscitado, e aquilo que não poderia estar ligado ao Cristo ressuscitado - "o pecado na carne" - foi julgado na morte de Cristo.
A responsabilidade de Abraão não foi de melhorar Ismael, mas de rejeitá-lo. Se o prazer de Deus era fazer do filho da promessa o único, esse era também o prazer de Abraão. De modo semelhante, a responsabilidade do crente é condenar e rejeitar, em si mesmo, aquilo que Deus condenou em Cristo crucificado; e desfrutar, pelo Espírito, de sua associação com Cristo ressuscitado.
6. NÃO TEMOS NENHUMA AUTORIDADE DIVINA...
...para esperar que o novo nascimento nos conceda, por si só, qualquer poder para o nosso andar.
O querer fazer o bem, e o poder para colocar isso em prática, são duas coisas diferentes. Tire um passarinho de seu ninho, quando suas penas ainda não estão desenvolvidas, e você descobrirá que existe a maior dificuldade em fazê-lo parar no ninho novamente. Ele vai pular para fora tantas vezes quantas você o colocar de novo. Por que acontece assim? Porque ele possui o instinto para voar, mas não o poder para fazê-lo. Ele pode pular, mas não voar.
Portanto o homem nascido de novo, antes de aprender por experiência o verdadeiro segredo do poder, pode muito bem ser comparado a esse passarinho. "Porque segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (Rm 7:22). "Com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem" (Rm 7:18). Isto é, ele possui instintos espirituais, mas não poder espiritual.
Todavia permanece o maravilhoso fato de que quando somos convertidos, Deus não espera de nós nada menos do que "vivermos Cristo" - andarmos como Ele andou. "Porque para mim o viver é Cristo" (Fp 1:21). "Aquele que diz que está nEle, também deve andar como Ele andou" (1 Jo 2:6). Deve-se, portanto, fazer uma importante pergunta: O que marcou o caminho de Jesus como Homem aqui na Terra? Não há nem sombra de dúvida quanto à resposta. Foram duas as coisas que, em perfeição absoluta, marcaram todo o curso de Sua vida - obediência  e dependência. A cada passo Ele demonstrou, do modo mais bendito, o fato de que o caminho da humilde obediência é o caminho da santidade; de que a dependência é o verdadeiro segredo do poder. Basta um versículo das Escrituras para nos mostrar o que foi o Seu caminho: "Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma: como ouço, assim julgo; e o Meu juízo é justo, porque não busco a Minha vontade, mas a vontade do Pai que Me enviou" (Jo 5:30).
Que dependência absoluta vemos aqui! "Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma." Que perfeita obediência vemos também! "Não busco a Minha vontade, mas a vontade do Pai que Me enviou." "Está escrito", foi Sua resposta ao tentador. Depois disso o diabo não podia seduzi-Lo. Ora, se essas duas qualidades eram essenciais à vida do Homem perfeito aqui na Terra, certamente elas são necessárias para aquele que é exortado a seguir os Seus passos. E aqui surge a questão do poder.
Todo homem convertido conhece alguma coisa acerca de bons desejos, mas para ter o poder de levá-los adiante, ele necessita da capacidade de Alguém mais. Para viver Cristo, ele precisa de íntima comunhão, pelo Espírito, com a toda-suficiente plenitude de Cristo, e precisa lembrar-se de que o único modo de usufruir do Seu poder está em considerar-se conscientemente incapaz, e depender dEle. Quanto a isto, a palavra falada pelo bendito Salvador aos doze não deixa nenhuma dúvida. "Sem Mim (ou aparte de Mim) nada podeis fazer" (Jo 15:5). Mas após ser glorificado, Ele disse a Paulo: "A Minha graça te basta, porque o Meu poder se aperfeiçoa na fraqueza". Por esta razão o apóstolo podia alegremente acrescentar, "De boa vontade pois me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo... porque quando estou fraco então sou forte" (2 Co 12:9-10).
É verdade que quando recebemos o Espírito Santo recebemos poder. Foi o que Jesus prometeu. "Recebereis a virtude (poder) do Espírito Santo, que há de vir sobre vós" (At 1:8). Mas isso não quer dizer que pelo fato de termos recebido o Espírito Santo já temos um depósito de poder disponível para nós usarmos sempre que surgir uma oportunidade. O próprio Jesus falou, em linguagem profética: "Sobre Ti fui lançado desde a madre" (Sl 22:10). Ele estava cheio do Espírito Santo quando foi tentado pelo diabo; sempre estava. E, ainda assim, quão perfeitamente dependente Ele era!
As leis humanas dão à mulher casada, se ela o desejar, a opção de ter o completo domínio de suas propriedades pessoais. Ela não precisa pedir ao marido ou consultá-lo para alguma decisão. Ela possui recursos seus, independente dele. Isto não acontece nas coisas espirituais. Aparte de Cristo nós nada temos, e nada podemos. Se dependermos de nossos próprios recursos, não dispomos nem do suficiente para a mínima necessidade, dentre as muitas que nos sobrevém diariamente. Em contrapartida, Ele é mais suficiente do que a maior de todas as necessidades. E contando com um poder assim Paulo podia afirmar: "Posso todas as coisas nAquele que me fortalece" (Fp 4:13). É por esta razão que somos exortados: "Fortalecei-vos no Senhor e na força do Seu poder" (Ef 6:10).
Um bonde elétrico não leva consigo a eletricidade ou o poder de que necessita. Um carrinho de mão empurrado por um ambulante tem mais utilidade do que o bonde, quando este não se encontra em contato com o fluxo de corrente que vem da central de eletricidade. Mas há algo mais. Do mesmo modo como o poder que aciona o bonde só está disponível ao longo da rota que foi determinada para ele, assim também acontece com o poder de Cristo. Ele só estará disponível para nós no caminho da vontade de Deus; não no caminho da vontade-própria. Podemos esperar confiantes que, se abrirmos as Escrituras com um espírito obediente e humilde, Ele irá nos ensinar qual é a Sua vontade (Jo 7:17), e, dependendo dEle, toda a força do Seu poder estará à nossa disposição para andarmos em conformidade com isto.
Quem jamais poderá calcular as maravilhas que já sucederam na Terra por causa do urgente clamor expresso nestas poucas palavras: "Senhor, ajuda-me!". Por vezes sem conta elas têm sido, e continuarão sendo, o vínculo entre o vitorioso poder e os momentos de desesperadora fraqueza. "Olharam para Ele, e foram iluminados; e os seus rostos não ficarão confundidos" (Sl 34:5).
7. NÃO TEMOS NENHUMA RAZÃO...
...para temermos a desaprovação do mundo, mas temos boas razões para temermos a sua amizade.
O mundo, como o lugar da habitação do homem, é visto de três modos nas Escrituras: Como o domínio de Adão em inocência por determinação de Deus (Gn 1:28); como o domínio de Satanás em iniquidade por usurpação (Lc 4:5-6), e como o domínio de Cristo em justiça, pela redenção e conquista (Sl 2:8 e 72:8).
O primeiro, como sabemos, logo acabou. Adão caiu e arruinou tudo. O terceiro aguarda o Messias vir reinar em poder. Mas o segundo ainda existe, e existe como um elemento de perigo constante. O mais novo convertido é chamado a enfrentar esse perigo; o mais velho santo não pode ignorá-lo; todavia todos os propósitos de Deus serão cumpridos apesar disso.
Na tentação encontramos o diabo gabando-se de ter todos os reinos do mundo para seu uso (Mt 4:9; Lc 4:5-6). Por isso a riqueza material do mundo é chamada de "riquezas da injustiça" (Lc 16:9), e por três vezes Jesus fala de Satanás como sendo "o príncipe (ou governante) deste mundo" (Jo 12:31; 14:30; 16:11). Neste sentido o mundo é visto como uma organização gigantesca que se opõe a Deus e a todos os que são nascidos de Deus. Sua administração é invisível, mas é executada com a mais extrema sutileza por alguém que é mestre na arte de enganar. O seu curso segue em conformidade com as influências desencadeadas por seu "príncipe" e seu "deus" - "do espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (Ef 2:2). Seu caráter é marcado por uma resoluta hostilidade contra Cristo. Quando Ele esteve aqui, recebeu ira em troca do Seu amor; foi rejeitado pelos Seus, e crucificado entre dois ladrões (1 Co 2:8).
Qual é, então, a posição do crente neste mundo? É a de um que testemunha e espera. Dando testemunho, como fez Jesus, da bênção que é fazer e aceitar a vontade de Deus, em meio a homens que estão fazendo a sua própria vontade; e esperando até que Ele volte para tomar as rédeas do governo e fazer prevalecer a vontade de Deus em poder. Aí então Ele expulsará o usurpador, e mudará totalmente o curso e o caráter deste mundo. A Terra e o Céu estarão então em perfeita concordância para que a santa vontade de Deus e a verdadeira felicidade do homem estejam unidas; e um Nome precioso - o Nome de Jesus, feito "Senhor e Cristo", será o vínculo de união.
Enquanto isto não acontece, precisamos nos manter atentos aos objetivos e métodos do atual governante do mundo. Amaldiçoar a Deus e arruinar o homem tem sido seu objetivo desde o princípio, e o será até o fim. É no engano que ele tem tido sucesso (1 Tm 2:14; Ap 20:10). Seus métodos variam. Ele "cegou os entendimentos dos incrédulos" (2 Co 4:4). Ele engana o crente sempre que pode (2 Co 11:3), e o esbofeteia sempre que não pode enganá-lo (2 Co 12:7).
Quando o apóstolo Pedro fala acerca de Satanás, diz: "Sede sóbrios; vigiai". E é suficiente sabermos que seu objetivo é o de nos tragar, para que sejamos mais prudentes a seu respeito (1 Pd 5:8). Ele não somente gostaria de acabar com nossa alegria e arruinar nosso serviço, como também, se pudesse, destruir-nos completamente. Ele nos trata como se nossa profissão cristã fosse só fingimento e nos faz pensar que, com o tempo, ele conseguirá nos provar isso. Bendito seja Deus, pois o Bom Pastor já havia indicado claramente que o destruidor tentaria tirar-nos das Suas mãos, e até das mãos do Pai, todavia somos assegurados, de modo inquestionável, que ninguém é capaz de fazer tal coisa. Os propósitos de amor eterno não poderão jamais ser arruinados pelo inimigo de Deus! (Jo 10:27-30; 17:12; Hb 2:13).
Para a sua própria confusão, o inimigo tem sempre estado a cometer erros, e assim será até o final. Ele não pode ler os corações dos homens. "Porque só Tu conheces o coração de todos os filhos dos homens" (1 Rs 8:39). Satanás não tem nenhum discernimento espiritual; não pode compreender os propósitos de Deus e nem os exercícios espirituais dos santos de Deus, mas ele pode fazer uma idéia pelo modo dos homens agirem, e para isso os vigia de perto. Em Mateus 4 ele é chamado de "tentador", e não há dúvida de que, a fim incentivar algum tipo de vontade-própria, ele estude as tendências naturais e fraquezas pessoais de cada santo neste mundo, tão de perto como ele fez com Jó e com suas circunstâncias. Se ele descobre que um crente está se esforçando, de modo carnal, para não satisfazer a si próprio, Satanás poderá tentar enganá-lo com alguma coisa que o leve a admirar-se a si próprio por sua conduta religiosa, ou a se exaltar (1 Jo 2:16).
Quão salutar é, portanto, nos recordarmos de que nenhum dom especial, ou sucesso no serviço, e nem conhecimento bíblico ou anos de experiência, nem tudo isso junto, pode servir de obstáculo para o tentador alcançar seu objetivo. A vontade-própria pode infiltrar-se em qualquer uma destas coisas, e onde a vontade-própria consegue achar uma entrada, o inimigo encontra uma porta aberta para agir. Ele não pode forçar a entrada; mas onde quer que consiga seduzir ou estimular as secretas manifestações de nossa própria vontade, ele pode encontrar um fácil acesso. E se a vontade-própria abrir a porta para ele, a auto-confiança a manterá aberta. Por outro lado, podemos esperar, com inabalável certeza, que onde quer que exista um coração desejoso de obedecer, e uma dependência voluntária, o inimigo não pode fazer absolutamente nada. A obediência fecha de vez a porta para ele, e a dependência a mantém fechada.
Aquele que foi perfeitamente obediente disse: "Se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim" (Jo 14:30). E quando a vontade da carne é mantida sob o juízo da morte, ele nada pode encontrar em nós para seu uso. Não há dúvida de que o atual curso deste mundo é o da vontade do homem, com uma engenhosidade satânica esperando atrás dos bastidores por uma oportunidade. Quando Jesus veio ao mundo, totalmente devotado a fazer a vontade de Deus, a oposição do homem logo levantou-se contra Ele; e a decisão final do homem deixou no mundo a marca de seu verdadeiro caráter. Analise por um momento os dois homens que estiveram envolvidos naquela ocasião.
Em Barrabás temos um representante notável da vontade do homem; em Jesus temos a perfeita expressão da vontade de Deus. Barrabás fez a sua própria vontade com a mais inescrupulosa determinação, não se importando com o que isso poderia custar aos outros - a autoridade foi desafiada (sedição), a propriedade alheia foi saqueada (roubo), e a vida alheia tirada (homicídio). Jesus fez a vontade de Deus. Ele assumiu todos os custos, e o ganho eterno coube a nós.
Chegara a hora da prova. Quem é que o mundo iria escolher? Foi deixado que o povo votasse, o que fizeram em alta voz. Não escolheram o bondoso Dador, que estava pronto para dar a Sua vida pelo próximo, mas o famoso roubador que era capaz de tirar a vida alheia para cumprir seus objetivos egoístas. Não escolheram Aquele que expressava o desejo de Deus em abençoar o homem, mas aquele que foi até as últimas consequências a fim de fazer cumprir a sua própria vontade, para a desonra de Deus e prejuízo de seu próximo. "Fora daqui com este, e solta-nos Barrabás!" (Lc 23:18). "Não queremos que este reine sobre nós!" (Lc 19:14). Que decisão terrível, mas a razão é evidente. A vontade de Deus era o prazer "deste Homem", e eleger a vontade de Deus implicava em desentronizar a vontade do homem. Tal coisa mudaria completamente o curso deste mundo, e nem o mundo, nem seu príncipe poderiam tolerar isso. A posição do crente em um mundo como este não é um assunto de pouca importância numa época em que tantos que professam amar o Rejeitado correm o perigo de aceitar - se é que já não a estejam cortejando - a amizade do mesmo mundo que O expulsou!
"Noutro tempo", todos nós andamos "segundo o curso deste mundo" (Ef 2:2). O ego era nosso objetivo. Mas quando a grande mudança aconteceu, pela obra do Espírito em nós, teve lugar um novo nascimento, um novo objetivo foi colocado diante de nós, Jesus, o Filho de Deus - Jesus, o Cristo, sobremaneira atraente em todos os Seus predicados, Grandioso em poder, Infinito em sabedoria; Jesus, que morreu para nos salvar, que vive para nos servir, e que nos amará até o fim. Este Bendito Ser, reprovado, na verdade pelos homens, mas para com Deus eleito e precioso. Sendo precioso para Deus, Ele nos é precioso também. "Ao qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso" (1 Pd 1:8).
É o amor - amor que corresponde ao Seu amor - ou a falta dele que verdadeiramente faz a diferença na atitude que hoje cada homem tem em relação ao mundo. Será que qualquer outra coisa poderia afetar mais nosso coração? Será que isto não é um desafio, tanto para mim como para você, para que respondamos à pergunta: Qual é a sua posição diante de tal prova?
Vamos dar um exemplo. A casa de um homem está construída à margem de um rio. Para agradar a si próprio, numa certa manhã bem cedo ele pega seu barco e começa a descer o rio remando. Quando ele decide voltar, descobre logo que a corrente, que tornou a descida tão fácil, agora está contra ele na subida. Mas será que isso o intimida? Se o seu coração tem o propósito de chegar em casa, as correntes contrárias, os ventos desfavoráveis, quaisquer novos obstáculos que apareçam, ou mesmo a sugestão de que continuar descendo é mais fácil, não poderão detê-lo. Se ele for atraído pelo amor, uma atração assim irá triunfar.
Assim é com os filhos sábios. Tanto a corrente do curso deste mundo, como o seu príncipe, estão contra eles. Este pode tentar aterrorizá-los para que não subam contra a corrente; pode tentar seduzi-los a seguirem a corrente para baixo; mas se eles tiverem a determinação de atingir o alvo, poderão cantar alegremente:
Nosso coração, por Ti foi programado
Para algo melhor nos lugares elevados.
Se é lá que está o Salvador, como é que podem querer descer? Além disso, já foram solenemente avisados pelo Espírito: "Não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4:4). "Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele" (1 Jo 2:15). Nenhum mundanismo poderia ser mais ofensivo a Deus do que o mundanismo com roupagem religiosa - mundanismo cultivado dentro da igreja como desculpa para evitar o mundanismo fora da igreja! "Qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?" (1 Pd 4:17).
Podemos perder muito, espiritualmente falando, se atendermos ao sorriso que vem do mundo, mas não precisamos temer o olhar de desaprovação que ele nos lança. O amor do Senhor, e a Sua aprovação, serão para nós uma imensa compensação. De nada nos importa se alguém nos desaprova, se Ele nos acena, dizendo: "Tende bom ânimo" (Jo 16:33). Pedro teve a aprovação do Senhor e foi solto da prisão sob os protestos de Herodes. O mesmo sucedeu com João em Patmos. Embora o mundo o tivesse banido, o Senhor estendeu a Ele Sua destra de aprovação. Paulo recebeu o mesmo na prisão em Filipos, e isso fez com que ele e seus companheiros cantassem no meio da noite. Ele escutou o "Tende bom ânimo" vindo dos próprios lábios do seu Senhor, quando estava na fortaleza em Jerusalém; e na prisão em Roma ele podia dizer: "Regozijai-vos, regozijai-vos". Samuel Rutherford teve o mesmo quando estava no calabouço de St. Andrews, onde escreveu: "Confio em um Deus que pode alimentar-me com fome, e engordar-me com as necessidades e deserções que sofri!" Enquanto aguardavam na prisão pela estaca e pelas chamas, muitos dos mártires da Inglaterra receberam o mesmo, e se consideravam as pessoas mais felizes em razão disso.
Mas a mesma voz que animou a todos esses, e a muitos outros milhares, fala aos nossos corações ainda hoje. "No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo" (Jo 16:33). "Tendo por certo isto mesmo, que Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" (Fp 1:6). Como foi que tal "boa obra" começou? Foi com aquele sentimento de pecadores totalmente indignos que desejamos Cristo e nos apavoramos com a idéia de perdê-Lo. Como irá terminar? Em "um peso eterno de glória mui excelente" (2 Co 4:17).


George Cutting, "After Conversion - Expectation With Divine Authority and Without It

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